sábado, 25 de outubro de 2008

De Mendoza a Mendoza



Estamos agora em Mendoza (uma das cidades produtoras de vinho na Argentina, com castas como o Malbec que por aí não temos).
Ontem o passeio do Chile aqui foi fantástico, 9 horas de autocarro, daqueles com poltronas e serviço de almoço, muito confortável.

A paisagem era de tirar a respiração, sempre no meio dos Andes, subimos do lado do Chile, e descemos do lado da Argentina.

Há um mês ainda estava tudo cheio de neve, agora começa a derreter formando quedas de água de grande velocidade e força por autênticas ravinas. As cores variam entre o branco da neve e o ocre da terra, que às vezes parece esculpida outras derretida.

Passamos várias estações de esqui, agora fechadas com pistas de uma inclinação invejavel para "espertos".

Na fronteira, já não viamos coisa assim há muitos anos, toca a abrir malas , revolver, desmanchar, mostrar tudo, arrumar tudo, um tempão, bastante irritante!

Ontem lembrei-me que aqui há uns tempos me tinha apetecido contar uma história, mas quis deixar uns dias e alguns países para manter o anonimato. Mas agora vem mesmo a propósito da celeuma renascida sobre a educação sexual nas escolas em Portugal.

A história começa quando me resolvo ir cortar o cabelo, o que como se sabe, é um risco num local desconhecido.

O jovem que se ocupou de mim perguntou as coisas habituais, de onde vinha e o que fazia mas, à menção que era psicóloga olhou para mim encantado e confessou que andava há anos para consultar uma, mas não conhecia o "ramo" e que queria mesmo muito falar comigo. E começou imediatamente a contar a sua história.

Então, eram sete irmãos e ele, com 24 anos era o mais velho. Moravam todos com a mãe e ele era o ganha pão daquela família, idolatrado pelos irmãos e pela mãe, porque do pai nenhum se lembrava.

O drama deste jovem com 24 anos, homosexual, era que em casa ninguém poderia nem imaginar a sua orientação sexual fazendo-o sentir-se sempre só, e muitas vezes culpado, enfim sempre que "abandonava" a família para sair com o seu grupo.

Como a sua situação era secreta, não podia ter um namorado estável, com quem tivesse uma vida social, sexual e familiar. Assim, tinha apenas acesso a relações episódicas, e era em geral muito assediado por homens mais velhos, que não lhe agradavam porque, dizia, apesar de já ser um pouco calvo tinha apenas 24 anos e gostava do convívio dos da sua geração.

Estava muito deprimido, achava-se excelente no seu emprego, achava-se um excelente pai para todos os seus irmãos e irmãs, mas não tinha coragem para seguir a sua vida e os seus sonhos, porque não ousava, nem achava que tivesse o direito de chocar a família, e, assim sendo, não podia fazer parte de um casal apaixonado e estável, e ficava confinado a relações episódicas e não gratificantes.
Enfim, esta situação fica para ilustrar que a recusa da educação sexual nas escolas, limita também o direito à diferença. Para quando todos diferentes... todos iguais?
Esta situação insólita, a mim garantiu-me um (excelente) corte de cabelo de 90 minutos.

Penso que para este jovem foi importante constatar que pelo menos para alguns, a orientação sexual de cada um faz parte do direito de cada um à diferença.

No fim brindou-me com um grande sorriso, agradeceu e declarou que eu não podia nem imaginar como aquela conversa tinha sido importante para ele.

Olhei e, com efeito, pelo menos a culpabilidade parecia ter-se ido!

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