quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

De Montevideu a Montevideu XII


Saúde e Saúde Mental na América Latina

Já aqui há semanas referi dois livros editados pela AASM (Associação Argentina de Saúde Mental) compilados a partir de uma selecção de apresentações. O Congresso de 2007 teve como Tema “ O mal-estar do quotidiano” e o de 2008 “Modernidade, Tecnologia e Sintomas Contemporâneos

DROGAS, ALCOOL E…
Fala-se da cyberdependência e de realidades virtuais (http://www.ivcf.indiana.edu/ ; http://www.marianoacciardi.com.ar/ ), considerando-se os actuais adolescentes “nativos digitais”. Este facto seria até vantajoso para a sua sobrevivência, não fora levar a um problema de falta de figuras de referência no mundo dos adultos, tidos como incompetentes e inúteis e, claro, o excesso que os limita em termos de tempo e motivação para outras actividades .
Parta além da cyberdependência, há outras dependências “sem substância”, chamadas “sócio-dependências” (jogos de azar, sexo, trabalho, medicamentos, exercício físico, etc.).

Um foco especial para o consumo de substâncias nos espaços “pré-boliche” (antes da ida para a discoteca), onde se consome mais barato. Estes consumos são apresentados como uma “produção emocional” que, tal como a “produção física”, ajusta o estado de ânimo para a noite, condição “sine qua non”, para que a diversão ocorra. ( http://www.hugomiguez.com.ar/) . Fala-se de cultura adolescente “cool”, indiferente e sem desejos.

ADOLESCENTES, ESPELHO DE UMA EPOCA?
No fundo cada época nos mostra os seus mal-estares, e a pós-modernidade, diz-se habitualmente caracterizada pelo individualismo, pelo excesso, pela perca da perspectiva do passado e do futuro com uma concentração de energia no futuro imediato e, exactamente, pela indiferença.
Os adolescentes pós-modernos são vistos como dotados de um “não-desejo”, de uma indiferença.
Mas, curiosamente, a juventude é um espelho onde cada sociedade descobre as suas falhas (como que caricaturadas pela vulnerabilidade deste grupo, socialmente menos experiente, na sua pré-entrada na vida adulta...)
Se estamos numa sociedade que apela ao individualismo e onde há uma erosão do sentimento de pertença e uma centração no presente, que faz perder o sentido da continuidade histórica dificillmente podemos " produzir" adolescentes solidários, enraizados e com um sentido de percurso de vida .
Fala-se agora de “cidades à escala humana”, de “comunidades à escala humana” e da necessidade de que escola e hospital encontrem “o seu factor humano”. ( http://www.clacso.org/ ; http://www.caritas.org.ar/).
Os nossos adolescentes serão, como em todas as outras épocas históricas, o produto do seu ( nosso) tempo!

A SAÚDE E A EDUCAÇÂO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E DA EDUCAÇÃO
Curiosamente falou-se muito “dos tratadores e educadores” : da saúde e da saúde mental dos profissionais de saúde e de educação que, sujeitos a um stress relacional na interacção em situações adversas com os doentes ou com os alunos, apresentam frequentes sintomas de “burn-out” com impaciência, agressividade, irritabilidade, insónia, absentismo, depressão, abuso de medicamentos psicotrópicos, somatizações, consumo de drogas e de álcool.
Pelo efeito devastador que tem nos profissionais e na sua população alvo, sugere-se uma prevenção na formação, grupos de supervisão ou de monitorização tipo “Coaching” ou “Balint”.
Lembrei-me que, quando do 11 de Março em Madrid, uma equipa de psicólogos de intervenção em crise trabalhava com vítimas e pessoas afectadas pela catástrofe e, à noite, as equipas de psicólogos tinham por sua vez ajuda psicológica para gestão do stress situacional.
Se nos lembrássemos disto mais vezes quiçá poderíamos evitar tanta gritaria nos corredores das escolas e dos hospitais!

VIOLÊNCIA ENTRE PARES; VIOLÊNCIA FAMILIAR E ABUSO SEXUAL
Falou-se do acosso laboral, da provocação entre-pares (“bullying”), da violência familiar em especial sobre menores e sobre as mulheres e do abuso sexual.
Para todas estas formas de violência sugere-se processos de detecção/identificação das situações, a capacitação das vítimas e a mudança das culturas institucionais ou da cultura da comunidade próxima.
A violência e o abuso na família remetem por vezes a 3 e 4 gerações anteriores pondo em causa tudo o que se diz sobre vinculação, modelação, monitorização, desenvolvimento pessoal! Justificam programas de prevenção da “violência no namoro” onde se trabalham sinais precoces que poderão levar a violência em fases posteriores.
Mas os recursos pessoais são muitas vezes insuficientes face a realidades tão complexas e torna-se necessário pensar mudanças culturais e legais.

CONVERSAS "VELHAS DE 30 ANOS"
Para atender necessidades locais, como conhecedores próximos da população alvo, aparecem aqui figuras como “Acompanhante terapêutico” e “Agente comunitários de saúde") que podem ser pais, mentores, lideres comunitários, profissionais com curso profissionalizante (“amigos qualificados”) , mas. aqui como tenho vindo a dizer ,voltam as “conversas velhas de 30 anos”: então não eram estes os agentes da “Community-based health”?, dos “mentores”?, “da Educação entre-pares”?
Uma vez mais se insiste nas Políticas Municipais como revitalizador (ou complemento) das Politicas Nacionais, e na importância do trabalho de inovação a partir de pequenos grupos empenhados, mas do perigo de desgaste a que estão sujeitos grupos de intervenção que trabalham sem condições e da necessidade de políticas sustentadas.

PROTEGER A SAÚDE? NOVOS “ESPARTILHOS” ou NOVAS “DEPENDÊNCIAS”?

Uma referência à protecção da saúde e à prática da actividade física, com uma ressalva que tem a ver com a emergente ameaça de uma dependência do exercício, outra ressalva com o facto das politicas de promoção da Actividade Física para adolescentes se basearem em modelos infantis ou adultos não entendendo o papel da actividade física para um adolescente em fase de elaboração formal do pensamento.
Uma vez mais, o risco de que os “promotores de saúde” apareçam com efeitos contra-producentes, gerando demasiada obsessão à volta de temas de saúde (o exemplo claro são os excessos de zelo nos comportamentos a promover: actividade física e hábitos alimentares).
Enfim, como dizia alguém, algum bom senso tentando encontrar "a saúde dos valores médios e culturalmente relevantes".

Sublinha-se também que para o estudo e promoção do exercício (ou de hábitos alimentares saudáveis?) se tem de ter em conta factores físico, psicológicos, sociais, políticos, técnicos e tácticos (e não só um destes factores, o que tende forçosamente a acontecer se a equipa não é pluridisciplinar).

ESCOLA E FAMÍLIA
Muito foco no trabalho nas escolas. Em espanhol a palavra “taller” é interessante porque dá a ideia de um espaço fecundo mas participativo.
Talleres” então com pais, alunos e professores pedindo participação na criação e manutenção de “espaços saudáveis” na escola e na família. “Talleres de projectos pessoais
Fala-se de Educação para a saúde, formação de agentes multiplicadores de saúde e de programas de promoção da mudança a nível individual e institucional. Porque educar é influir e promover a auto-motivação, a auto-monitorização, a auto-mudança (não é, apenas, ensinar).
Fala-se de programas baseados na epidemiologia e no estudo de determinantes e na avaliação de programas, defendendo-se a ligação da investigação à intervenção.

Na Argentina a Educação Sexual Integrada é já obrigatória, com carácter de transição nos próximos anos… Tenho vindo a escrever sobre a frequência da gravidez na adolescência, da violência no casal, do abuso sexual a exigir estas medidas sem atraso.
A educação para a saúde incluirá a sexualidade, a prevenção da violência e dos consumos, e os direitos cívicos, cidadania e participação social.

(Em Portugal … ai não! nem me digam que vamos um dia destes começar tudo de novo!)

Muito foco também no trabalho com famílias, tanto do ponto de vista de “ponte para chegar aos filhos” como da criação de ambientes saudáveis e contentores, como ainda do ponto de vista ao apoio aos pais no seu papel paterno (http://www.acciondigital.com.ar/; http://www.blockcenter.com/): ser pessoalmente competentes e mudar envolvimentos.

POBREZA e MISERIA

Falou-se muito da patologias da pobreza, não só no acesso à saúde e à educação, como na valorização da saúde e da educação face a necessidades mais prementes de subsistência mas ainda de factos que podem perpetuar a pobreza: a gravidez na adolescência, o abandono escolar e a desnutrição (com as suas consequências na saúde e no desenvolvimento cognitivo).

OS VIRUS MAUS , QUE VÊM SEMPRE “DE FORA”

Curiosamente na área da prevenção do VIH, as crenças negativas e a discriminação no seio da população mexicana, está por vezes associada ao migrante que regressa depois de um período no estrangeiro (Estado Unidos).
Numa comunicação chamada “O vírus que veio do Norte” revi uma realidade que já percebi em Angola onde o VIH, diz a “crença”, também veio de fora, desta feita do Congo.
Este atribuição ao “out-group” de características negativas e perigosas tem o efeito de securizar o “in-group” contra o perigo.
Estamos a adivinhar o perigo deste teorização da Psicologia Social, quando se trata da prevenção do VIH…

PLURIDISCIPLINARIDADE, REFLEXÃO ALARGADA E DEBATE DE IDEIAS
Num pais fortemente dominado pela Psicanálise vejo aqui um claro apelo ao alargamento de grelhas de análise e estabelecimento de diálogo com uma perspectiva sócio-cognitiva, humanista, inter-pessoal e cognitivo-comportamental; há ainda um forte apelo à formação, investigação e avaliação. Finalmente, melhor ainda, na Argentina a saúde mental foi eleita como ”O” conceito abrangente englobando diversas especialidades enquanto “pares”.
Três sinais quanto a mim promissores.

AO DR. EDUARDO GRANDE
Deixo no fim destas notas soltas um apelo ao Dr. Eduardo Grande, Presidente da AASM, para que nos dê o prazer de o ler em breve, numa reflexão pessoal e histórica sobre a evolução da Psicopatologia e Psicoterapia na Argentina e no mundo, deixando-nos partilhar da sua vasta experiência e reflexão nesta área.

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